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A GRIPE ESPANHOLA


Influenciado pelos relatos das pessoas que vivenciaram o acontecimento, o imaginário popular, com o passar dos anos, criou uma vaga projeção sobre a temida “gripe espanhola”, como sendo uma doença devastadora decorrente das mortes produzidas.
Contudo, os detalhes que envolvem o assunto permaneceram dispersos e fragmentados, e quando foram reunidos, estavam destinados a um público acadêmico, gerando um quadro de desinformação às camadas populares.
Assim, este artigo busca sintetizar aspectos vinculados à gripe espanhola, especificando-se os seus desdobramentos em Porto Ferreira.
       Carlos Eduardo Romeiro Pinho esclarece que o nome “gripe”, é originário do francês “gripper”, que significa agarrar prontamente. A gripe espanhola foi também conhecida pela palavra italiana “influenza”. Já a qualificação “espanhola”, decorre do desenvolvimento desta doença naquele país da Península Ibérica, onde mais de 8 milhões de pessoas contraíram a enfermidade, e não corresponde à origem da moléstia.
O surto de gripe espanhola ocorreu em março de 1918, durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918). De acordo com Juliana Rocha, “tropas inteiras griparam-se, mas as dores de cabeça, a febre alta e a falta de ar eram muito graves e, em poucos dias, o doente morria incapaz de respirar e com os pulmões cheios de líquido”. Para ela, aconteceram, na verdade, 2 surtos diferentes da doença em 1918: o 1º, em fevereiro, muito contagioso, porém, de forma branda, não causava mais que 3 dias de febre e mal-estar; já o 2º surto, manifestado em agosto, foi altamente mortal.
Segundo a carta de um médico norte-americano, publicada no British Medical Journal: “a doença começa como um comum tipo de gripe, mas os doentes “desenvolvem rapidamente o tipo mais vicioso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada [no hospital], têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e algumas horas mais tarde pode-se começar a ver a cianose [coloração azul escura da pele] estendendo-se por toda a face a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados”.
       Naquela época os especialistas não sabiam que a gripe espanhola era causada por um vírus. Estimativas da quantidade de mortos apontam entre 20 e 40 milhões. Como base comparativa, cerca de 9 milhões e 200 mil pessoas morreram em combate durante a 1ª Guerra Mundial.
       De acordo com Fernando Morais, “no começo daquele ano de 1918, o navio inglês Demerara atracou no porto do Rio trazendo a bordo a mais destruidora epidemia que o mundo jamais vira até então, a gripe espanhola, [...] no Brasil o surto se alastrava com rapidez incontrolável. Em poucas semanas só as cidades do Rio e de São Paulo já haviam contado mais de 25 mil mortos. Em um só dia morreram 1200 pessoas no Rio”.
       Já Carlos E. R. Pinho alega que a doença chegou a Pernambuco através do vapor “Piauhy”, atracado no porto em 25 de setembro de 1918. “Essa doença apresenta os seguintes sintomas: Febre de 40 graus; prostração completa; falta absoluta de vontade de comer; abundância de catarro pelo nariz; vômitos; cor cadavérica e dor profunda, desde o pescoço até os quadris”. No Brasil, a gripe espanhola deixou um saldo de 300 mil mortos.


A Gripe Espanhola em Porto Ferreira

O primeiro historiador ferreirense a tratar do assunto foi o professor Flávio da Silva Oliveira. Na página 63 do seu livro “Histórias e Estórias de Porto Ferreira” está escrito:
“[...] a chamada gripe espanhola, aqui surgida em maio de 1919 sem provocar um óbito sequer dentre os pacientes recolhidos ao único Grupo Escolar existente (Sud Mennucci) e socorridos pelo médico Carlindo Valeriani”. Na página 64, o autor continua: “As despesas para combater a “gripe espanhola” foram maiores, pois, para enfrentá-la, o Dr. Carlindo Valeriani valeu-se da contribuição pública, quando obteve Rs.1:654$000 com a lista que correu na cidade. É certo, no entanto, que a “espanhola” provocou muitos óbitos entre gripados não recolhidos ao improvisado hospital de isolamento”.
Pode-se deduzir, portanto, que a municipalidade tomou algumas medidas no sentido de combater a pandemia de gripe; o Grupo Escolar de Porto Ferreira (atual EMEF Sud Mennucci) foi utilizado como hospital de isolamento, durante o ano de 1919, e seus pacientes medicados não morreram.
Miguel Bragioni Lima Coelho foi outro pesquisador ferreirense a se dedicar ao tema. Para ele, baseado em um relato concedido pelo Sr. Abílio Ferreira da Silva Filho em 2008 e no Livro Ponto do grupo escolar (1917-1919), o grupo escolar realmente teve suas atividades paralisadas, pois “os docentes trabalharam regularmente até 19 de outubro de 1918, retomando a profissão a 2 de junho do ano seguinte”.
       Segundo a Ata da 1ª sessão ordinária da Câmara Municipal, de 16 de janeiro de 1919, nas palavras do Prefeito Municipal, João Procópio Sobrinho, “quanto ao estado sanitário foi optimo até o mez de setembro, tendo infelizmente apparecido no mez de outubro a “grippe hespanhola”, que felizmente não causou victima alguma graças ao dedicado zelo do nosso digno Inspector Sanitario, Dr. Carlindo Valeriani, a quem esta Camara muito deve”.
Outros documentos da época consultados esclarecem melhor como a gripe espanhola assolou Porto Ferreira. Foi analisado o cadastro dos sepultamentos do “Cemitério da Saudade para os anos de 1917, 1918, 1919 e 1920, sendo os dados referentes aos anos de 1918 e 1919 transformados nas tabelas abaixo:

TABELA DOS SEPULTAMENTOS NO CEMITÉRIO DA SAUDADE – PORTO FERREIRA - 1918
MESES
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
Nº DE ÓBITOS
9
15
11
8
7
3
7
6
2
8
13
11
GRIPE
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
4
FETO
1
-
2
-
1
-
-
1
-
-
-
-
IMPALUDISMO
-
1
-
2
-
-
-
-
-
-
-
-
S/ DIAGNÓSTICO
1
1
2
2
2
-
3
1
-
3
3
1
OUTRAS CAUSAS
7
13
7
4
4
3
4
3
2
5
10
6

TABELA DOS SEPULTAMENTOS NO CEMITÉRIO DA SAUDADE – PORTO FERREIRA - 1919
MESES
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
MORTES
15
6
9
4
12
15
7
11
11
8
7
3
GRIPE
-
-
-
-
3
7
1
6
3
-
-
-
FETO
4
-
-
-
-
-
1
-
1
1
1
-
IMPALUDISMO
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
S/ DIAGNÓSTICO
2
-
1
1
2
1
2
1
1
4
3
1
OUTRAS CAUSAS
9
6
8
3
7
7
3
4
6
3
3
2

Constata-se que o número de mortes causadas por gripe foi de 5 em 1918, com ênfase em dezembro, e 20 para o ano de 1919, ocorrendo entre maio e setembro. Logo, sabendo-se que o total de mortos em 1918 atingiu o número de 100, a gripe espanhola foi responsável por 5% dos óbitos. Já em 1919, foram enterradas 108 pessoas, representando 18,5% deste número os óbitos causados pelo vírus. A pesquisa se torna mais interessante quando avaliados os anos de 1920 e 1917. Em 1920 ocorreram 106 enterramentos, nenhum deles causado pela gripe espanhola. Em 1917, o número de pessoas enterradas foi quase o dobro da média: 180 mortos, constatando-se 34 deles provenientes de impaludismo (malária), ou seja, 18,8% do total.
       Baseado no livro do antigo Hospital de Isolamento, instituição existente do início da década de 1890 até ser demolida em 1921, foi possível extrair as tabelas abaixo:




MOVIMENTO DO HOSPITAL DE ISOLAMENTO - 1917
MESES
IMPALUDISMO
OUTROS
ÓBITOS
TOTAL
FEVEREIRO
0
1
0
1
MARÇO
5
4
0
9
ABRIL
7
3
2
10
MAIO
4
0
0
4
TOTAL
16
8
2
24








MOVIMENTO DO HOSPITAL DE ISOLAMENTO - 1918
MESES
GRIPE
OUTROS
ÓBITOS
TOTAL
NOVEMBRO
13
0
0
13
DEZEMBRO
12
0
0
12
TOTAL
25
0
0
25

Deste modo, analisando as tabelas acima, evidencia-se o fato de o hospital de isolamento ser utilizado entre fevereiro e maio de 1917, principalmente, para atendimento dos casos de malária. Em novembro e dezembro de 1918, o local foi destinado exclusivamente ao 1º surto de gripe espanhola em Porto Ferreira. Não há evidências da utilização do espaço nos anos seguintes. Vale salientar que, na época, não existia o Hospital Dona Balbina, inaugurado em 1924.
       A Ata da 6ª Sessão Extraordinária da Câmara Municipal, de 24 de junho de 1919, declara:
“Como sabeis fomos infelizmente vesitados pela impedimia da grippe que apareceu do dia 19 para 20 do mez p.p. nesta cidade a qual contaminou-se geral, tendo sido atacados conforme bolhetim official que recebi do Sr. Inspector Sanitario Municipal Dr. Carlindo Valeriani, demonstrando que foram atacados do mal (751) setecentos e cincoenta e uma pessôas. De accordo com o muito digno Dr. Inspector Sanitario, ésta prefeitura tomou as providencias urgentes que o caso requeria, e no circulo estreito que dispunha, deo as necessárias providencias para combater o mal, tendo para isso, o exmo. Dr. Carlindo se prestado com a maior dedicação e caridade, acudindo aos enfermos. Sendo o serviço muito, de accordo com com o mesmo, pedi ao Exmo. Secretario do Interior um medico para vir auxiliar-lo nessa árdua missao, assim como alguns medicamentos para ajudar os doentes desprivinidos de recursos; nesta parte depois de algumas dificuldades recebi alguns medicamentos para a destribuição gratuita, assim como a vida de um medico que felizmente chegou em occasião que já se achava cuasi debelada a empidemia...
       Pelas fontes históricas citadas anteriormente, é sabido que ocorreram mortes, derivadas da gripe, até setembro de 1919. Como a ata supracitada se refere ao dia 24 de junho daquele ano, os 751 contaminados com a gripe espanhola não correspondem à totalidade dos doentes. Provavelmente, mais de 1000 indivíduos contrariam o vírus e manifestaram os sintomas durante o ano de 1919, quando o 2º surto atingiu a cidade, entre os meses de maio e setembro, no qual o grupo escolar foi utilizado como hospital de isolamento, devido ao fato de poder abrigar um grupo elevado de pacientes.

       Cabe salientar que enquanto a gripe normal mata 0,1% dos doentes e a gripe espanhola levava ao óbito 2,5% dos contaminados. Este número parece ser pequeno, mas se considerado a alta capacidade de propagação do vírus, atinge-se o resultado devastador de milhões de mortes na população mundial. Entretanto, em Porto Ferreira, o maior inimigo foi a malária.

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