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A HISTÓRIA DA DITADURA EM PORTO FERREIRA


Comício de Jango na central do brasil (acervo Correio da Manhã)


            Falar deste assunto é delicado, pois ainda há muitas feridas abertas. Existem cidadãos em Porto Ferreira que ainda são favoráveis à militarização do Estado.
            Esta série de artigos pretende explorar a ditadura militar, utilizando fontes históricas inovadoras. Portanto, os documentos revelarão fatos do passado que realmente aconteceram. Certamente, algumas afirmações terão origem em fontes orais, ou seja, pessoas que viveram o período ditatorial brasileiro e forneceram referências relevantes que contribuem para desvendar o passado. Muitas informações virão à tona e espero, realmente, que o debate salutar seja estabelecido para conhecermos a história da ditadura em Porto Ferreira.

DÉCADA DE 60: UMA REALIDADE COMPLEXA

            Na década de 60, o Brasil vivia uma complexa e confusa situação política. Jânio Quadros, o “varre varre vassourinha”, presidente que havia assumido o país após Juscelino Kubistchek com a campanha de varrer a corrupção do Congresso Nacional, renunciou “misteriosamente” em 1961, após 7 meses de governo. Assumiu o governo, seu vice-presidente, João Goulart, o famoso Jango, herdeiro político do falecido Vargas, com tendências esquerdistas e populistas. Jango era cunhado de Leonel Brizola, político brasileiro líder de esquerda. Vale salientar que a Constituição de 1946, em vigor no período, previa eleições separadas para presidente e vice-presidente. Portanto, Jânio Quadros e João Goulart pertenciam a grupos políticos com posicionamentos muito diferentes.
            No campo da economia, o “nacional-desenvolvimentismo” de Kubistchek produziu profundos desequilíbrios internos e externos. Basicamente, a falta de consenso político, de maioria no Congresso e dificuldades de implementar políticas econômicas eficazes geraram uma hiperinflação e desequilíbrio nas contas externas, causando mais instabilidade política.

O Governo de Jango

            Jango assumiu o governo brasileiro com grandes dificuldades, após uma emenda constitucional que transformou o Brasil em uma República Parlamentarista. Assim, seus poderes políticos foram reduzidos. Entretanto, após um plebiscito popular, em 1963 houve o retorno ao presidencialismo no país. O jogo de cartas estava na mesa. Jango era apoiado pelas massas, trabalhadores e sindicatos que exigiam reformas sociais e trabalhistas, enquanto a elite liberal brasileira e conservadores estavam incomodados com o seu governo. A lei de Remessas e Lucros de 1962, por exemplo, impedia que multinacionais enviassem mais que 10% de seu lucro para o exterior. As Reformas de Base, instituídas por Jango, visavam, principalmente, a reforma agrária, ou seja, a desconcentração territorial.
            Aos poucos, a oposição formada por grupos civis (empresariado, proprietários rurais, Igreja Católica e vários Governadores), militares e pelo interesse dos Estados Unidos começa a desestabilizar o Governo de Jango.

O discurso na Central do Brasil

            Em 13 de março de 1964, na Central do Brasil (RJ), Jango reafirmou publicamente em comício seu compromisso de realizar, a todo custo, as Reformas de Base. Cerca de 200 mil pessoas estavam presentes neste ato público. Segue abaixo trecho do discurso:
“O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.”
            Foi o estopim para a derrocada do presidente.

A Marcha da Família com Deus pela Liberdade

            A resposta conservadora não tardou e, em 19 de março daquele ano, 300 mil cidadãos mobilizados, por grupos direitistas, realizaram a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Nessa marcha, houve inúmeros pedidos de tomada do poder pelos militares. Foi distribuído um documento denominado “Manifesto ao Povo do Brasil”, convocando a população para uma reação contra Jango.
 
Manifestantes contrários a João Goulart na Praça da Sé, 19 de março de 1964 (acervo da Revista O Cruzeiro)

O Golpe de 64

            Na madrugada de 31 de março de 1964, João Goulart foi derrubado por um golpe militar. Após a tentativa frustrada de organizar uma resistência com o apoio de Brizola e dos oficiais legalistas, Jango decidiu se exilar no Uruguai. Os militares estavam no poder e baixaram o Ato institucional nº1, não previsto na Constituição de 46, para justificar o regime de exceção. A justificativa era restaurar a disciplina e a hierarquia nas Forças Armadas e deter a “ameaça comunista” que, segundo eles, pairava sobre o Brasil.
            Durante o mês de abril de 1964 surgiram centenas de inquéritos policiais com o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. Assim, parlamentares foram cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados.
           
(continua na próxima edição)



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