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A Via Anhanguera é nossa! – parte 2


 No início da década de 50, a fim de proporcionar a dimensão da estrutura econômica do município, cita-se os dados do jornal “O Ferreirense”, de 07 de dezembro de 1952, que publicou a seguinte relação de indústrias, comércios e profissões liberais de Porto Ferreira:
3 médicos, 6 engenheiros, 3 advogados, 6 dentistas, 3 farmacêuticos e 31 guarda-livros e contadores; 39 estabelecimentos de fazendas, secos e molhados e ferragens; 1 agência bancária e diversos correspondentes bancários; 18 agentes de seguro e capitalização; 4 corretores; 6 comerciantes de aves e ovos; 31 bares, bilhares e botequins; 13 barbearias; 2 ateliers de fotografia; 3 açougues; 2 escritórios de contabilidade; 3 agências de máquinas de costura e artigos de escritório; 3 farmácias; 3 papelarias e livrarias; 2 postos de gasolina e acessórios de automóveis; 4 salões de ondulações e cabeleireiros; 1 tipografia; 4 leiterias; 4 construtores; 1 cooperativa de consumo popular; 1 fábrica de louças em geral (Cerâmica Porto Ferreira); 1 fábrica de produtos alimentares – Cia. Industrial e Comercial Brasileira de Produtos Alimentares; 1 fiação de algodão (Fiação Amélia); 1 fábrica de tecidos Têxtil Porto Ferreira Ltda.; 1 fábrica de vidros em construção (Cristaleria Americana Ltda.); 1 fábrica de meias; 1 fábrica de isoladores elétricos; 1 descaroçador de algodão; 1 fábrica de artefatos de alumínio; 2 fábricas de mosaicos e artefatos de cimento; 34 olarias; 4 cerâmicas; 2 empresas de extração de areia e pedregulhos; 2 decorações de louças; 1 embalagem de laranjas; 3 funilarias; 3 máquinas de beneficiar café; 5 máquinas de beneficiar arroz; 2 serrarias; 1 lacticínio; 5 moinhos de fubá; 4 padarias; 6 sorveterias; 3 fábricas de moveis; 4 carpintarias e ferrarias; 2 selarias; 6 oficinas de conserto de rádio e outros; 1 empresa de transporte de passageiros; 8 sapatarias; 4 tinturarias e lavanderias; 3 oficinas de conserto de automóveis; 2 relojoarias; 1 depósito de bebidas; 1 serralheria; 8 alfaiatarias; 2 depósitos de madeiras.
Torna-se perceptível que a cidade manifestava uma economia diversificada, dentro do contexto nacional da época, atraindo uma onda imigratória populacional, a qual repercutiu no processo de urbanização, gerando uma demanda por novas moradias. Neste sentido, em 25 de novembro de 1951, “O Ferreirense” publicou a compra de 90 alqueires de terras pelo Dr. Erlindo Salzano, Manuel da Silva Oliveira, Paschoal Salzano (Prefeito Municipal), Aires Nogueira e Luiz Carlos de Melo Neto. O objetivo da compra foi o loteamento para construção de casas, permitindo a expansão do município na região da Cidade Nova. Segundo a reportagem citada, havia um otimismo em relação à oferta de lotes, “pois assim a nossa população terá muito o que ganhar e nossa cidade crescerá e desenvolverá a ponto de ser uma das maiores de nosso interior paulista”.

A Via Anhanguera em Porto Ferreira

Baseando-se em estatísticas de fluxo de veículos, levantadas pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), o Governador Lucas Nogueira Garcez, em 1951, prometeu asfaltar diversas rodovias, priorizando o prolongamento da Via Anhanguera, de Limeira até Ituverava, via Ribeirão Preto.  O jornal impresso “O Ferreirense”, de 18 de novembro de 1951, noticiou a estadia em Porto Ferreira do Dr. Paim Pamplona – engenheiro chefe da Divisão do DER – e do Dr. Plinio Rizzo, com o objetivo de tomarem providências para iniciar a construção da estrada de rodagem asfaltada São Paulo-Ribeirão Preto, que passaria no alto da Cidade Nova. A reportagem creditou o futuro empreendimento aos esforços do Dr. Erlindo Salzano, Vice-Governador do Estado de São Paulo, o qual “não mede sacrifícios em benefício de nosso progresso”. 
Em 10 de agosto de 1952 “O Ferreirense” estampava em suas páginas a informação de que 10 máquinas, motoniveladoras e tratores, próximos a Porto Ferreira, haviam iniciado os trabalhos para abrir a estrada de rodagem asfaltada, ligando Ribeirão Preto à capital do Estado de São Paulo. Existia a esperança da rápida conclusão “tão sonhada e esperada estrada asfaltada”. Naquele ano, o progresso era vigente no município. As 34 olarias instaladas não venciam as encomendas da cidade e os pedidos de outros centros vizinhos, em decorrência dos 150 prédios em construção. Em 14 de dezembro de 1952, “O Ferreirense” fez a seguinte colocação:
 “Acaba de ser feito o levantamento aerofotogramétrico do traçado de Porto Ferreira-Ribeirão Preto na rodovia estadual São Paulo Igarapava. [...] A rodovia estadual asfaltada, que já está alcançando Araras, continua em seu ritmo acelerado e tudo faz crer que em breve teremos a nova estrada que passa no alto da “cidade nova” e “Jardim Primavera”, pronta e aberta para o trânsito.”
De acordo com essas informações, entende-se que os cidadãos de Porto Ferreira acreditavam na rápida conclusão das obras da estrada asfaltada. Contudo, por razões desconhecidas – talvez, as obras tenham parado, o jornal local deixa de noticiar sobre o assunto nos dois anos subseqüentes.
Posterior ao hiato, na edição de 24 de julho de 1955, “O Ferreirense” retorna à questão da estrada com uma polêmica reportagem, intitulada “A Via Anhanguera”. Segundo os detalhes da narrativa, o jornal impresso “O Comércio”, de Descalvado, no dia 10 de julho, noticiou que o Governador eleito Jânio Quadros havia realizado uma reunião em Ribeirão Preto, na qual prometeu reativar as obras de pavimentação do trecho Leme-Ribeirão Preto da rodovia, concluindo-a no prazo de 20 meses. Waldomiro Pozzi, presidente da câmara municipal de Descalvado, acompanhado do Deputado Estadual Lauro Del Puerto Pozzi, levou um memorial com reivindicações descalvadenses e o entregou ao Governador. Segundo o documento entregue, a população do município vizinho queria saber se o trecho asfaltado seria o primitivo traçado da Via Anhanguera, que deveria fluir nas proximidades do antigo campo de aviação de Descalvado, ou se a pavimentação ocorreria no trajeto próximo à fábrica de vidros de Porto Ferreira. “O memorial descalvadense alega, também, que o atual trajeto da estrada veio para cá por interesses particulares de outro governo, a fim de valorizar os loteamentos que aqui vinham sendo realizados”.
Todavia, o Deputado Lauro Pozzi havia recebido 171 votos em Porto Ferreira nas últimas eleições. Obviamente, inflamado, o jornal local declarou que, caso o referido deputado conseguisse a mudança do trecho a ser asfaltado, a prefeitura ferreirense, juntamente com o povo, arrecadariam os recursos necessários para construir uma variante à estrada, também, pavimentada, encontrando-se com a Via Anhanguera, onde quer que ela estivesse.
Em reportagem de 21 de agosto de 1955, “O Ferreirense” reconstituiu o imbróglio e se posicionou diante de uma carta do Deputado Lauro Pozzi enviada à redação da tipografia, na qual tentou se justificar da postura adotada, negando ter trabalhado para o desvio do traçado da Via Anhanguera. Em primeiro lugar, alegou Waldomiro Pozzi ser seu primo e membro do Partido Social Progressista (PSP), o mesmo do Dr. Erlindo Salzano. Em segundo lugar, afirmou que “o traçado da estrada é definitivo e desviá-lo seria causar danos aos cofres públicos, como prejudicar também, Pirassununga que está tão bem servida como Porto Ferreira”.
Segundo o jornal local, as relações de parentesco do referido deputado e a filiação partidária de seus parentes não interessam ao povo ferreirense, pois, “se porventura deixasse de existir o parentesco e o Sr. Waldomiro Pozzi pertencesse a outra agremiação política, mudaria a situação exposta?” O jornal reiterou que Lauro Pozzi “choveu no molhado”, sendo a Via Anhanguera uma decisão proveniente de vários meses de estudo, desenvolvidos por especialistas do DER. Em conclusão, “O Ferreirense” julgou que a carta do deputado Lauro Pozzi veio para o endereço errado, pois “qualquer um que se der ao trabalho de examinar os acontecimentos, verá que a referida missiva deveria ser enviada ao O Comércio”, jornal de Descalvado.

Um ponto Final

O jornal “O Estado de São Paulo”, de 13 de maio de 1956, escreveu que o asfalto da Via Anhanguera avançava pelo interior afora e estava perto de Pirassununga. Uma viagem entre Pirassununga e São Paulo, a qual, de trem, levava quase um dia inteiro, de carro, passou a ser realizada em apenas 3 horas. Foi exatamente a diminuição do tempo de deslocamento que levou a rodovia a ser preterida em detrimento do transporte ferroviário. Naquele ano, era urgente a necessidade de asfaltamento do trecho de Porto Ferreira a Ribeirão Preto.
Entretanto, somente em outubro de 1958, o asfaltamento da Via Anhanguera foi concluído naquele trecho, após a entrega da ponte de concreto no dia 28 de setembro daquele mesmo ano. Em 21 de setembro de 1979, 300 quilômetros da Rodovia Anhanguera foram duplicados, atingindo-se 34 metros de plataforma, acostamentos pavimentados e amplo canteiro central.

Em resumo, a Via Anhanguera pode ser considerada a principal conquista do ferreirense Dr. Erlindo Salzano, dentre inúmeras outras obras, as quais propiciaram um clima de otimismo local, com novas oportunidades de emprego e moradia, contribuindo para o crescimento econômico de Porto Ferreira.

Publicado em COELHO, M. B. L.; ARNONI, R. F. F. Aspectos Históricos de Porto Ferreira, Vol. II. Porto Ferreira: Gráfica São Paulo, 2013.

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