João Inácio
Ferreira, o balseiro outrora responsável pela travessia sobre o rio Moji Guaçu,
tornou-se uma referência local e, por meio do seu nome, este local, que
pertencia a Descalvado, ficou conhecido regionalmente. Esta história é conhecida
pelos ferreirenses e foi eternizada pelas brilhantes palavras do professor
Flávio da Silva Oliveira, que empreendeu uma busca pelos documentos que
comprovassem nossas características gerais.
Considerando
tais colocações, o Museu Histórico e Pedagógico de Porto Ferreira, que
justamente carrega o nome do professor Flávio, torna-se uma instituição
depositária do nosso passado, pois nele estão contidos o acervo documental e
material vinculado ao município de Porto Ferreira.
Uma das
preciosidades que lá se encontram é o “Inventário de João Ignácio Ferreira”.
Graças ao trabalho do professor Flávio, este compêndio de cópias de documentos
cartoriais, que totalizam 126 páginas, de 1877 a 1888, chegou até nós.
Com uma
linguagem rebuscada para a atualidade e escrito de modo manual à caneta do tipo
tinteiro, o inventário exibe a caligrafia do escrivão, os selos cartorários da
época e as assinaturas das pessoas que participaram do processo. Cabe salientar
que em alguns trechos do processo não foi possível a compreensão do seu teor. Este
artigo vislumbra lançar um olhar narrativo e interpretativo sobre o centenário
documento, estabelecendo hipóteses e análises históricas.
João Ignacio Ferreira
havia falecido em seis de julho de 1877, com sessenta e dois anos de idade.
Tendo deixado a sua segunda esposa, Dona Maria Joanna Rosa, grávida de seis meses,
o Dr. Juiz de Órfãos Primeiro Suplente, Martiniano Antonio de Azevedo, intimou
a viúva do finado para prestar juramento de inventariante e, desta forma,
garantir os direitos do futuro herdeiro menor.
Em vinte e
nove de outubro de 1877, na vila de Pirassununga, residência do Juiz de Órfãos
Primeiro Suplente, Dona Maria Joanna, após ter jurado com a mão direita sobre o
Santo Evangelho, declarou que João Ignacio Ferreira morreu sem deixar
testamento. Reconheceu a existência de um herdeiro do inventariado, Thomé
Ignacio Ferreira, com 26 anos, filho das primeiras núpcias do falecido, e,
também, o fato de estar grávida de seis meses. Estas informações foram
relatadas pelo escrivão Francisco Joaquim Sampaio, o qual reconheceu haver,
então, três herdeiros participantes na partilha, e cientificou dos fatos o
Doutor Juiz de Órfãos, Jonas Policarpo de Figueiredo.
Seguidamente,
em cinco de dezembro de 1877, procedeu-se a descrição e a louvação dos
avaliadores dos bens deste inventário que, em decorrência dos trâmites
burocráticos, só veio a ocorrer o Termo de Louvação em dois de março de 1788,
onde estavam presentes o Doutor Juiz de Órfãos Jonas Policarpo de Figueiredo, o
escrivão Francisco Joaquim Sampaio, o Doutor Curador Geral Manoel Jacintho
Vieira de Moraes, o herdeiro Thomé Ignacio Ferreira, representado por seu
procurador, Doutor José Marques de Oliveira Irahy, e a inventariante Dona Maria
Joanna Rosa, com seu procurador: Doutor Antonio Ribeiro dos Santos. No Termo de
Louvação eram escolhidos os avaliadores dos bens inventariados, atribuindo-lhes
seus respectivos valores.
Pelo Doutor
Curador Geral foram louvados, ou seja, escolhidos para avaliar os bens: o capitão
Manoel Joaquim, Manoel de Azevedo, Antonio Rodrigues Leite e Francisco da
Silveira. Pelo procurador de Thomé Ignacio Ferreira receberam louvação: o capitão
Luiz Antonio de Oliveira, o tenente Manoel Martins da Silveira e Joventino
Lopes de Faria. Conforme a inventariante, na pessoa de seu procurador, foram
louvados: João Baptista da Silva Leite, Francisco Alexandre Buch e Joaquim
Pereira de Araújo (Major Pereira). Pela inventariante e Doutor Curador Geral
foi dito que, de comum acordo, seriam louvados o Capitão Luiz Antonio de
Oliveira e João Baptista da Silva Leite.
Na década de 1870, a taxa de
analfabetismo brasileira atingia quase 80% da população. O local conhecido como
“porto do João Ferreira”, ainda não havia sofrido a onda progressista do café,
que elevaria a densidade populacional e movimentaria a economia do lugarejo.
Desta forma, é aceitável que as pessoas, em sua maioria, não soubessem ler ou
escrever e tivessem a necessidade de recorrer às pessoas letradas para resolver
questões jurídicas.
Diante da morte
de João Ignacio Ferreira, Dona Maria Joanna Rosa apelou a ninguém menos que o
capitão Joaquim Procópio de Araújo, dono da maior área de terras circunvizinha
ao porto, para ser o seu procurador. Segundo consta o fazendeiro mineiro, na
época com 51 anos, casado com Marianna Balbina de Meirelles, ao adquirir tais
terras da margem direita do rio Moji Guaçu, outrora pertencentes ao Barão de
Souza Queiroz, no terceiro quartel do século XIX, havia proibido o tráfego
público em sua propriedade, impedindo que as tropas de boiadeiros e
comerciantes alcançassem a balsa. Logo, João Ignacio Ferreira teve que mudar o
ponto de atracação da balsa, localizado entre a Mata do Procópio e a Boa Vista,
para um novo local, rio abaixo, situando-o junto à foz do Rio Corrente, na
margem direita. O professor Flávio salientou que João Ignacio Ferreira tomou o
cuidado de comprar as terras dos dois lados do Rio Moji Guaçu, evitando, deste
modo, futura mudança de domicílio.
Contudo, de
onde saiu o dinheiro necessário para a compra destas partes de terras? É muito
provável que o termo imperativo da proibição, o qual levou à mudança da balsa,
tenha beneficiado João Ignacio Ferreira, pois Dona Maria Joanna Rosa, a viúva,
alegou que os bens inventariados no processo foram adquiridos depois de casada
com o inventariado, havendo antes do consórcio somente dívidas a pagar.
Entretanto,
surpreendentemente, no momento da necessidade, a inventariante buscou auxílio
do dono do latifúndio, Joaquim Procópio de Araújo, o mesmo que havia proibido o
fluxo de pessoas por suas terras. Então, o capitão mineiro receberia poderes
para da inventariante para requerer o que fosse conveniente, embargar e apelar
de sentenças, nomear e aprovar louvados, e receber todos os bens “tocados” por
ela. Embora tenha ele se isentado da incumbência, não a abandona, indicando para
representá-la o Doutor Antonio Ribeiro dos Santos, advogado e promotor público
de Pirassununga na década de 1880.
Em oito de abril
de 1878, no cartório de Pirassununga, foi apresentado pelo Doutor Antonio
Ribeiro dos Santos, procurador da viúva, a declaração dos bens dela. Nele constam
as casas de morada no porto denominado João Ferreira, sendo uma toda coberta de
telhas - exatamente como relatou José Pessoa da Motta Júnior no Almanck
Litterário, em 1885 - e outra com uma parte coberta de capim, ambas com horta e
plantações. Uma olaria com casa de forro coberta de telha, o telheiro coberto
de sapê e terreiro cercado, dois pastos, um na frente das casas, outro anexo,
ambos cercados com cerca já arruinada, uma cozinha de uma porta, com uma
varandinha, coberta de telha e um pastinho na fazenda São Vicente; outra
cozinha de sapê, com duas portas de taboas, na mesma fazenda e próxima a primeira,
uma cozinha de sapê, com varanda, coberta de telhas, no referido pasto, na
margem esquerda do Rio Moji Guaçu. Quatro alqueires de terras divididas na
mesma margem, cujo titulo esta em poder do herdeiro Thomé Ignacio Ferreira.
Diversas partes de terras na mesma margem do rio, cujos títulos se acham em
poder do mesmo herdeiro. 62 cabeças de gado; 13 vacas com cria e 11 bois de
carro, um carro ferrado, um pequeno carro de mão, uma barcagem que se acha no
Rio com seus pertences. Quatro catres forrados de taboa, uma mesa de jantar, um
barco grande de taboa, uma cangalha arreada, dez couros de toldo, um banco de
assento.
Livro: COELHO, Miguel Bragioni Lima; ARNONI, Renan Fernando Freitas Arnoni. Aspectos Históricos de Porto Ferreira, VOL. II. Porto Ferreira. Gráfica São Paulo,2013.
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